Jornal da Cidade Regional

REFORMA ELEITORAL DE 2021 – Cibele Kadomoto

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Parte 1 de 2

Art. 17, § 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão.   (Incluído pela Emenda Constitucional nº 111, de 2021)

Antes de analisarmos o que diz esse dispositivo, acho importante tecer algumas considerações prévias sobre o tema para entendermos melhor a previsão.

Filiação partidária

No Brasil, a pessoa só pode concorrer a um cargo eletivo se ela estiver filiada a um partido político. Essa exigência está prevista no art. 14, § 3º, V, da CF/88.

Infidelidade partidária

Em 2007, mesmo não havendo uma norma expressa na lei ou na CF/88 tratando sobre o tema, o TSE e o STF decidiram que a infidelidade partidária era causa de perda do mandato eletivo. Em outras palavras, o TSE e o STF firmaram a tese jurisprudencial de que, se o titular do mandato eletivo, sem justa causa, sair do partido político no qual foi eleito, ele perderá o cargo que ocupa. O tema era tratado unicamente pela Resolução TSE nº 22.610/2007.

Posteriormente, em 2015, foi editada a Lei nº 13.165/2015, que alterou a Lei nº 9.096/95, passando a tratar expressamente sobre o tema “infidelidade partidária”.  

Em 2017, a EC 97 incluiu o § 5º ao art. 17 tratando, pela primeira vez, sobre infidelidade partidária no texto constitucional. 

Agora, em 2021, a EC 111 acrescentou o § 6º ao art. 17 tratando de forma mais detalhada sobre o instituto da infidelidade partidária.

A fidelidade partidária só existe para os detentores de cargos eletivos proporcionais (não existe dever de fidelidade partidária para os ocupantes de cargos majoritários). 

No Brasil, atualmente, existem dois sistemas eleitorais:

  1. MAJORITÁRIO:
  • O mandato eletivo fica com o candidato ou partido político que obteve a maioria dos votos.
  • Ganha o candidato mais votado, independentemente dos votos de seu partido.
  • No Brasil, é o sistema adotado para a eleição de Prefeito, Governador, Senador e Presidente.
  1. PROPORCIONAL
  • derminada a votação, divide-se o total de votos válidos pelo número de cargos em disputa, obtendo-se assim o quociente eleitoral. Ex: na eleição para vereador houve 100 mil votos válidos e eram 20 vagas. Logo, o quociente eleitoral será 5 mil (100.000 : 20 = 5.000).
  • Em seguida, pega-se os votos de cada partido e divide-se pelo quociente eleitoral, obtendo-se assim o número de eleitos de cada partido (quociente partidário). Ex: o Partido X e seus candidatos tiveram 20 mil votos. Esses 20 mil serão divididos pelo quociente eleitoral (5 mil). Logo, esse partido terá direito a 4 vagas de Vereador (20.000 : 5.000 = 4).
  • Os candidatos mais bem votados desse partido irão ocupar tais vagas.
  • No Brasil, é o sistema adotado para a escolha de Vereador, Deputado Estadual, Deputado Federal e Deputado Distrital.

A perda do mandato em razão de mudança de partido somente se aplica para os cargos eletivos proporcionais. Essa sanção não vale para candidatos eleitos pelo sistema majoritário. Por quê? No sistema majoritário, o candidato escolhido é aquele que obteve mais votos, não importando o quociente eleitoral nem o quociente partidário.

Nas eleições majoritárias (Prefeito, Governador, Senador e Presidente), os eleitores votam no candidato e não no seu partido político. Desse modo, no sistema majoritário, a imposição da perda do mandato por infidelidade partidária é antagônica (contrária) à soberania popular.

Vale ressaltar que, mesmo antes da EC 111/2021, esse já era o entendimento do STF sobre o tema. O TSE, em sintonia com o STF, já havia editado súmula sobre o tema: Súmula 67-TSE.

Exemplo recente foi o do Presidente Jair Bolsonaro. Ele foi eleito em 2018 pelo PSL, tendo deixado a sigla no fim de 2019. Essa saída da agremiação não configura ato que possa gerar a perda do mandato por infidelidade partidária.

Desse modo, neste ponto, a EC 111/2021 positivou o entendimento do STF.

Anuência do partido como hipótese de justa causa para a desfiliação partidária

O parágrafo único do art. 22-A da Lei nº 9.096/95 prevê três hipóteses que são consideradas como justa causa para o desligamento da pessoa do partido político. Em outras palavras, se o titular do mandato eletivo proporcional deixar o partido e se verificar uma dessas três situações, ele não perderá o cargo.

Art. 22-A.  Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

Parágrafo único.  Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

I – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

II – grave discriminação política pessoal; e (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

III – mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

A EC 111/2021 acrescenta uma quarta hipótese: a anuência do partido. 

Importante esclarecer que, mesmo antes da alteração, o TSE já possuía firme jurisprudência no sentido de que a carta de anuência do partido autoriza a desfiliação sem perda de mandato. Logo, a regra trazida pela Emenda corrobora o entendimento do TSE.

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